"(...) Tam bem dou conta a Vossa Excelência da obra que mandou fazer o mesmo governador das Armas nas barbacáns da muralha da Praça de Bragança de que remeto a certidão da medição que nellas fés o Cappitam Emgenheiro Manoel de Almeida, que é o unico nesta Província; e da sua importancia, da qual obra dey conta a Sua Magestade; pella Junta dos Tres Estados com os apontamentos della, em primeiro de Junho deste prezente ano; como também a dou a Vossa Excelência de que o mesmo governador das Armas mandou dispender setenta e dous mil reis com quinze almocreves que com as suas mayores forão conduzindo a bagagem de outros tantos Officiais que com duzentos soldados mandou fazer montaria a hum lobo que andáva no destrito desta Praça, e da de Monforte, por ter comido alguas crianças que acháva nos campos, o que fazia tal vés apertado da fome, mas com tanto estrondo senão fés nada, e Sua Magestade pagou as custas. O qual a somana passáda o matou hum clerigo com duas bállas, e afirma ser o mesmo; aquy trouse antes de hontem a pélle, sem embargo de estar seca, náo lhe faltáva corpo bastante, muito bem armado de dentes, e ainda depois de ferido, dis o mesmo clerigo o cometera (...)"
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"(...) depois de receber onze tiros emprehendeo romper o mesmo cordão: foi remetida á minha prezença; tinha quatro palmos de alta, mais de sete e meyo de comprida, com hua grosura tão extrahordinaria, que se fazia incrivel em animal de semilhante espécie: do referido Lobo só há noticia de se haver visto em Galiza; e quando torne a aparecer nesta Provincia, para a sua extinsão se disporá nova deligencia.
Dandoceme parte de que em o Destrito da Praça de Chaves, e em o da Vila de Monforte se conservava hua quadrilha de Ladroens mascarados, e facinerózos, sem que as recomendaçoens que eu havia feito ao Governador da mesma Praça o agitasem para o remedio, ordenei a meu filho Francisco António da Veiga Cabral da Camara, que em o proprio tempo que nas montarias se proseguise, se fizese quanto coubese no possivel, para que os expressados Ladroens se prendesem, seráo (...)"
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Os dois relatos anteriormente transcritos parecem percursores paradigmáticos da literatura fantástica cultivada por diversos autores consagrados, particularmente nos séculos XIX e XX.
Apesar de não remeterem para monstros com aspecto antropomórfico, evocam, no entanto, vários relatos fantásticos que surgiram ainda na Idade Média, como aquele que se apresenta no Nobiliário do Conde D. Pedro (c. 1287-1354), sobre a origem do apelido Marinho, ou o relato de Damião de Góis (1502-1574), no texto Urbis Olisiponis Descriptio (1554), sobre os tritões de Sintra.
Acontece, contudo, que muitos dos aspectos narrados nestes dois relatos são corroborados por correspondência da época, entretanto descoberta pelo autor deste blog no Arquivo Histórico Militar, em Lisboa.
Essa correspondência, constituída por três cartas remetidas de Trás-os-Montes para Lisboa, entre os meses de Maio e Setembro de 1760, serviu provavelmente de base aos dois opúsculos publicados pela oficina de José Filipe, pelo que se justifica a sua transcrição integral.
"Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Constando-me que em varios póvos desta Provincia, e principalmente em muitos dos comprehendidos nos destritos da Praça de Chaves, e Vila de Monforte de Rio Livre, hum lobo ( que o vulgo com diferença denomina ) havia feito consideravel damno matando, e devorando perto de trinta, ou mais pessoas de ambos os sexos; e que principiando pelas de menor idade, já se lança aos hómens pondo-os em tal consternação, que sem serem juntos, e armados são poucos os que se atrevem a sair dos mesmos povos, privando-os o temor de solicitarem o que lhes É precizo, para sustento das vidas, e conservação das fazendas: dispus, que com as companhias das Ordenanças dos proprios destritos se repetissem as Montarias instruhindo-as no methodo mais adquado a se livrarem de hum mal tão manifesto; e ou pela desordem, e confuzão que em as taes ordenanças são quasi inivitaveis, ou porque a extenção dos terrenos; o alcantilado dos montes; e a densidade dos matos, não só necessitão de mayor numero de gente, que saiba apontar as armas; perceber o que se lhe explicar; e que não ignore a obrigação que tem de obedecer, não produzirão effeito as deligencias, em que até o presente se tem continuádo: e attendendo eu a se me reprezentar, que aos Moradores dos mencionados (...)"
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