Os dois relatos anteriormente transcritos parecem percursores paradigmáticos da literatura fantástica cultivada por diversos autores consagrados, particularmente nos séculos XIX e XX.
Apesar de não remeterem para monstros com aspecto antropomórfico, evocam, no entanto, vários relatos fantásticos que surgiram ainda na Idade Média, como aquele que se apresenta no Nobiliário do Conde D. Pedro (c. 1287-1354), sobre a origem do apelido Marinho, ou o relato de Damião de Góis (1502-1574), no texto Urbis Olisiponis Descriptio (1554), sobre os tritões de Sintra.
Acontece, contudo, que muitos dos aspectos narrados nestes dois relatos são corroborados por correspondência da época, entretanto descoberta pelo autor deste blog no Arquivo Histórico Militar, em Lisboa.
Essa correspondência, constituída por três cartas remetidas de Trás-os-Montes para Lisboa, entre os meses de Maio e Setembro de 1760, serviu provavelmente de base aos dois opúsculos publicados pela oficina de José Filipe, pelo que se justifica a sua transcrição integral.
"Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Constando-me que em varios póvos desta Provincia, e principalmente em muitos dos comprehendidos nos destritos da Praça de Chaves, e Vila de Monforte de Rio Livre, hum lobo ( que o vulgo com diferença denomina ) havia feito consideravel damno matando, e devorando perto de trinta, ou mais pessoas de ambos os sexos; e que principiando pelas de menor idade, já se lança aos hómens pondo-os em tal consternação, que sem serem juntos, e armados são poucos os que se atrevem a sair dos mesmos povos, privando-os o temor de solicitarem o que lhes É precizo, para sustento das vidas, e conservação das fazendas: dispus, que com as companhias das Ordenanças dos proprios destritos se repetissem as Montarias instruhindo-as no methodo mais adquado a se livrarem de hum mal tão manifesto; e ou pela desordem, e confuzão que em as taes ordenanças são quasi inivitaveis, ou porque a extenção dos terrenos; o alcantilado dos montes; e a densidade dos matos, não só necessitão de mayor numero de gente, que saiba apontar as armas; perceber o que se lhe explicar; e que não ignore a obrigação que tem de obedecer, não produzirão effeito as deligencias, em que até o presente se tem continuádo: e attendendo eu a se me reprezentar, que aos Moradores dos mencionados (...)"
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