"(...) oito segundo se me affirmava dos quáes se prenderão cinco, e os tres se havião passado a Galiza antes que chegase o destacamento.
Vossa Excelência, parecendo-lhe, fará presente a Sua Magestade o que lhe exponho.
A Ilustríssima e Excelentíssima Pessoa de Vossa Excelência guarde Deus muitos anos. Bragança a 9 de Junho de 1760.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Luis da Cunha
Francisco Xavier da Veiga Cabral"
(Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 6.ª sec., cx. 8, n.º 2)
© Capas & Companhia
"(...) depois de receber onze tiros emprehendeo romper o mesmo cordão: foi remetida á minha prezença; tinha quatro palmos de alta, mais de sete e meyo de comprida, com hua grosura tão extrahordinaria, que se fazia incrivel em animal de semilhante espécie: do referido Lobo só há noticia de se haver visto em Galiza; e quando torne a aparecer nesta Provincia, para a sua extinsão se disporá nova deligencia.
Dandoceme parte de que em o Destrito da Praça de Chaves, e em o da Vila de Monforte se conservava hua quadrilha de Ladroens mascarados, e facinerózos, sem que as recomendaçoens que eu havia feito ao Governador da mesma Praça o agitasem para o remedio, ordenei a meu filho Francisco António da Veiga Cabral da Camara, que em o proprio tempo que nas montarias se proseguise, se fizese quanto coubese no possivel, para que os expressados Ladroens se prendesem, seráo (...)"
© Capas & Companhia
"Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Não rezultou das montarias todo o effeito que eu dezejava; por que a rama dos bosques carregada com copioza chuva servia de insuperavel obstaculo aos exploradores: estes só matarão hua Loba que era quasi inseparavel companheira do Lobo que em primeiro lugar se procurava: constandome, que no investir, e devorar havia entre ambos tam pouca diferença que muitas vezes se reputavão indistintos: o tal Lobo pouco antes de fecharse o cordão, penetrava pelas ordenanças; e a propria Loba ainda, (...)"
© Capas & Companhia
"(...) povos lhe chega brevemente o tempo de sahirem aos campos para recolherem os frutos, sem os quaes hão de perecer as suas familias reduzidas a lamentaveis mizerias; porque sem se lhe extinguir a cauza do medo, senão hão de rezolver a sahirem dispersos para os mesmos campos: Ordenei, que em o dia 16 do corrente marchasem com duzentos infantes o Coronel de Infantaria Francisco Luis Piqueno Chaves, e com cem cavalos meu filho o Capitam de Cavalaria Francisco António da Veiga Cabral da Camara, para que incorporadas aquelas numerosas Companhias das Ordenanças com estas tropas pagas sejão militarmente executadas as diréçoens com que procuro o remedio por que os referidos póvos justamente estão clamando.
Vossa Excelência, parecendo-lhe, se sirva pôr na Real Noticia de Sua Magestade o que fica expressado, ou para proseguir nas providencias quando se fação precizas; ou para me abster de continuálas.
A Ilustríssima e Excelentíssima Pessoa de Vossa Excelência guarde Deus muitos anos. Bragança, 12 de Mayo de 1760.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Luis da Cunha
Francisco Xavier da Veiga Cabral"
(Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 6.ª sec., cx. 8, n.º 2)
© Capas & Companhia
Os dois relatos anteriormente transcritos parecem percursores paradigmáticos da literatura fantástica cultivada por diversos autores consagrados, particularmente nos séculos XIX e XX.
Apesar de não remeterem para monstros com aspecto antropomórfico, evocam, no entanto, vários relatos fantásticos que surgiram ainda na Idade Média, como aquele que se apresenta no Nobiliário do Conde D. Pedro (c. 1287-1354), sobre a origem do apelido Marinho, ou o relato de Damião de Góis (1502-1574), no texto Urbis Olisiponis Descriptio (1554), sobre os tritões de Sintra.
Acontece, contudo, que muitos dos aspectos narrados nestes dois relatos são corroborados por correspondência da época, entretanto descoberta pelo autor deste blog no Arquivo Histórico Militar, em Lisboa.
Essa correspondência, constituída por três cartas remetidas de Trás-os-Montes para Lisboa, entre os meses de Maio e Setembro de 1760, serviu provavelmente de base aos dois opúsculos publicados pela oficina de José Filipe, pelo que se justifica a sua transcrição integral.
"Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Constando-me que em varios póvos desta Provincia, e principalmente em muitos dos comprehendidos nos destritos da Praça de Chaves, e Vila de Monforte de Rio Livre, hum lobo ( que o vulgo com diferença denomina ) havia feito consideravel damno matando, e devorando perto de trinta, ou mais pessoas de ambos os sexos; e que principiando pelas de menor idade, já se lança aos hómens pondo-os em tal consternação, que sem serem juntos, e armados são poucos os que se atrevem a sair dos mesmos povos, privando-os o temor de solicitarem o que lhes É precizo, para sustento das vidas, e conservação das fazendas: dispus, que com as companhias das Ordenanças dos proprios destritos se repetissem as Montarias instruhindo-as no methodo mais adquado a se livrarem de hum mal tão manifesto; e ou pela desordem, e confuzão que em as taes ordenanças são quasi inivitaveis, ou porque a extenção dos terrenos; o alcantilado dos montes; e a densidade dos matos, não só necessitão de mayor numero de gente, que saiba apontar as armas; perceber o que se lhe explicar; e que não ignore a obrigação que tem de obedecer, não produzirão effeito as deligencias, em que até o presente se tem continuádo: e attendendo eu a se me reprezentar, que aos Moradores dos mencionados (...)"
© Capas & Companhia
"Êste é o sucesso feliz, de que tive notícia certa e verídica por Pessoas fidedignas, que mo participaram, e algumas que no conflito se acharam, a qual aqui relato e faço pública parecendo-me será grata aos corações pios, e zelosos do bem do próximo, e cheios de caridade; e poderão dar a isto crédito, não julgando ser o Bicho cousa de fábula (como alguns incrédulos imaginam) depondo já o sentimento com que estavam de considerarem aqueles Provincianos açoitados de tão grande rigor da Divina Justiça; pois com o Divino favor venceram aquele monstro tão feroz com a indústria, e arte. A figura bem própria é a que vai neste papel estampado: tem de comprimento sete palmos, é bastantemente alto, de altura de um Cavalo, pernas e braços delgados, unhas grandes, e cabelo todo erriçado, por modo de porco montez, pela barriga é branco, pelo corpo é arraiado, a cabeça é por modo de Gato grande bravo com muita barba, os olhos mui grandes, e ovados, os peitos mui largos, o rabo mui comprido, e delgado, a pele mui grossa, era mui forçoso; ligeiro, bravo, e voraz principalmente de mininos, e a tudo o mais assaltava, quando topava, excepto em vendo multidão de gente que gritasse; alguns não sem grande temeridade quizeram com êle apostar valentias, e ficaram sendo despojos da sua crueldade. Dêmos enfim a Deus Senhor Nosso muitas graças de nos livrar de tão crueis monstros, como êste, cuja pele se entende será conduzida a esta Côrte, para ser vista dos curiosos, e se dar inteiro crédito, e formal a esta rara monstruosidade de que então não poderão pôr dúvida e ter incredulidade.
Finis coronat opus."
© Capas & Companhia
"Chegando a Chaves se apresentou ao Governador dela a presa, e o valerosíssimo e industriosos mancebo, que dele e de todos os mais levou geralmente o louvor, e a palma do trofeu tão esclarecido, como se tinha alcançado pela sua afoiteza, e ardil, cujo se não fora continuar-se-iam os estragos, e talvez tal Fera se não mataria, e viria entrando açoitada por outras terras a prosseguir mais terribilidades; mandou-se pesar, e pesou dez arrobas, tem estado muitos dias á vista de todo o Povo, seus moradores e circunvesinhos, que são precisas guardas de Soldados para suspenderem o motim, e rumor das gentes que concorrem de propósito a verem cousa tão espantosa, e formidável, e se até aqui tudo eram clamores e prantos naquelas terras, e seus subúrbios, agora tudo é festa, e alegria, por se verem já socegados os que viviam tão agoniados e medrosos com um inimigo tão furibundo nas suas terras; já estão isentos de perigo os habitadores daquelas Províncias, já os Pastores saiem afoitos a guardar o seu gado; os caminhantes fazem suas jornadas desenganados; tornam-se a habitar as casas, e choupanas nos campos, e já não há temor, nem medo por aquelas partes."
© Capas & Companhia
"Concorreram todos os do combate ao sítio, onde jazia vencida, e mortal a dita Fera, a admirarem aquela monstruosidade, que para haver de ser conduzida a Chaves, ainda extirpada, foi preciso ir em uma carrêta com êste despôjo alcançado depois de tanto cansaço, e perigo, entraram enfim cheios de alegria, e triunfos pela dita Cidade, sendo infinito o concurso das terras pequenas, e lugares por onde passavam, para ver o Bicho morto, o que lhe parecia impossível o matar-se, e todos com grande alvoroço e contentamento davam aos Combatentes os parabens da vitória, e a Deus graças pelo bom sucesso da empresa, e pelos livrar de similhante açoite de sua Divina Justiça, que tinham experimentado naquelas terras."
© Capas & Companhia
"Todos á uma louvaram a afoiteza daquele Combatente, e não deixaram de admirar o ardil, e bem ideado engano, que não esperavam deixasse de suceder favoravel, como na realidade sucedeu; porque caminhando o dito mancebo com o minino mui devagar, e os doze homens da escôlta sem serem do bruto bravo persentidos, tiveram tempo, êle de se subir a uma alta árvore, e êles de se embuscar ao redor dela a tiro, e pondo-se todos prontos com grande ânimo, e desembaraço para aquêle terrível combate, apenas o bruto entrando a caminhar por baixo dos arvoredos avistou a preza, quando corre furioso, ligeiro, e voraz para a querer tragar, julgando-a já nas suas garras, levanta o mancebo com a corda do chão o minino, ficando espantada a a gulosa Fera, e confusa, sem tirar os olhos da presa que perdido tinha; a êste tempo os intrépidos Combatentes, (ainda que abismados daquele portento de ferocidade, e terribilíssimo assombro daqueles montes), com destreza e felicidade disparam ao mesmo tempo doze tiros sôbre aquela monstruosidade, e lhe acertaram na cabeça, em que lhe abriram penetrantes feridas, cujas bocas lhes aclamaram a vitória; bramiu a Fera coma dor intensa, e despedaçando tudo que encontrava diante de si, se foi despenhando por uma alata serra, para onde prosseguiram seus passos os triunfadores Combatentes, carregando novamente as suas armas, e acudindo os Cavaleiros ligeiros de embuscada escôlta, lhe segundaram outra e maior carga que de todo prostou aquela arrogante máquina e lhe fez exalar o último alento;"
© Capas & Companhia
"E parecendo a todos não haver modo fácil para se conseguir o feliz êxito desta conquista, êle a deu excelente e sem grande perigo pela forma que aqui verdadeiramente se expõe, o que sucedeu segundo a sua premeditada ideia, com muita felicidade, conquistando-se por este bem travado engano um monstro tão feroz, que a todos amedrentava e fortes esquadrões não podiam á força de armas contrastar; (quem não adverte que nem sempre vale a força, e rebustez, e o poder de muitas armas, e ainda exércitos armados, se falta a arte, ciência e subtileza; ás vezes com um ardil, engano e astúcia se vence o que á força de armas se fazia incontrastável, como se fazia o terrível Bicho que enfim veio acabar por indústria e sagacidade dêste intrépido mancebo, cujo valor merece se cante por todo o Orbe. Disse ele aos mais Combatedores: Que pois a Fera se ocultava debaixo dos arvoredos, talvez viria pouco a pouco passeando por baixo das mais árvores, e que ele iria somente com doze homens bem armados, e o minino, àquele combate, ficando a mais Tropa embuscada, e que ao som dos tiros que ouvissem sairiam a perseguir a dita Fera; que ele determinava subir-se a uma árvore bem alta, e que lançando uma corda pela cintura, ataria o dito minino ficando os doza Combatentes embuscados ao pé, e que apenas o Bicho viesse a querer fazer preza no minino, içando-o ele acima, ficaria a fera como pasmada, e imóvel, e a êste tempo fazendo-lhe pontaria certa á cabeça os embuscados, disparassem todos juntos á carga cerrada, que desta sorte lhe tiravam infalivelmente a vida."
© Capas & Companhia
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